domingo, 16 de março de 2014

Aprender a democracia e aprender com a democracia

Este é um ano eleitoral no Brasil e mais uma vez somos convidados a exercer o dever cívico do voto, a expressão máxima da nossa cidadania. Entretanto a cada eleição torna-se mais evidente a fragilidade de nosso sistema político, dada a nossa reduzida tradição democrática.
Historicamente muito já se discutiu e ainda se discute sobre a forma de governo que melhor represente o indivíduo e suas garantias como ser indivisível que é. O século XIX deu grandes contribuições para essa discussão, alimentado pelos ideais da Revolução Francesa que ainda ferviam na Europa, sobretudo na França pós-napoleônica. Naquela ocasião surgiram diversas correntes de pensamento para a reorganização política da Europa que envolviam desde os cetros mais conservadores da sociedade àqueles mais progressistas. O liberalismo, inspirado principalmente na teoria da separação dos poderes de Montesquieu representa o nascimento dos ideais constitucionais dos direitos civis. A evolução desse pensamento igualitário dá origem ao movimento democrático, que propõe a difícil passagem da igualdade formal à uma igualdade substantiva, efetiva. A partir desse momento a noção de igualdade supera o campo jurídico e alcança o campo político em que o Estado exerce um papel fundamental no sentido de garantir o funcionamento de instituições e organismos que reduzam as desigualdades e promovam o equilíbrio social.
A fragilidade democrática do Brasil está ligada, sobretudo, a dois grandes fatores: ao legado colonial e à trajetória republicana conturbada em períodos ditatoriais. O Brasil ainda ressente fortemente à estrutura econômica e social do período colonial que se manteve praticamente inalterada por várias décadas. A transição econômica - cana de açúcar-café-indústria - em pouco mudou o centro do poder no Brasil, apenas o transferiu regionalmente do Nordeste para o Sudeste, mas as elites permanecem as mesmas. A atual situação da raça negra no Brasil é um claro exemplo disso e a escravidão parece ter somente mudado de nome.
Os nossos tempos republicanos não foram diferentes. A República Oligárquica que vigorou na primeira metade do século XX deu lugar à República Ditatorial iniciada em 1964 com o golpe militar, que foi posteriormente transformada na atual República. Mas a República Real, como queriam os democratas no século XIX nunca existiu no Brasil exatamente porque requer a total democratização das estruturas econômica, política e social do Estado enfim, tudo o que as elites políticas atuais não querem.
Somente em dois breves momentos históricos o Brasil experimentou uma maior democratização. O primeiro inicia-se com a deposição de Getúlio Vargas, que pôs fim ao período ditatorial da chamada “Era Vargas” em 1945, estendendo-se até o golpe de 1964 – é a chamada Segunda República. O segundo momento inicia-se com o processo de redemocratização do país que pôs fim ao Regime Militar em 1985 e dura até os nossos dias. Essa interrupção do processo democrático brasileiro em mais de 20 anos atrasou o amadurecimento político do país, das instituições e do próprio povo, marcando profundamente esses 35 anos de democracia.
A política atual está fortemente condicionada por essa fragilidade democrática. Contrariando o estigma e o estereótipo de união do povo brasileiro – que parece estar mais ligado ao futebol ou nem mais a isso. A sociedade civil brasileira é pouco organizada, pouco unida. Este paradoxo constitui ao mesmo tempo um fenômeno. Embora o brasileiro tenha, em média, uma vida pessoal bem organizada, seu grau de mobilização ante as ameaças eminentes é muito inferior se comparado ao de países como Estados Unidos, França e Alemanha ou até mesmo como Chile e Argentina. Talvez pelo próprio fato de sermos realmente alegres ou de nunca termos passado por experiências extremas como as guerras. Entretanto, na nossa história há pelo menos dois exemplos de grande mobilização social entorno de campanhas cívicas. Um deles é sem dúvida o abolicionismo, que envolveu todos os setores da sociedade colonial. O outro exemplo foi o movimento das Diretas Já. Se não é demais, podemos citar também o projeto social criado por Betinho, Natal sem Fome, que mobilizou multidões explorando uma tradição solidária e humanitária intrínseca do povo brasileiro. O problema é que esses movimentos surgem rapidamente como uma solução em situações insustentáveis, mas que se desaparecem imediatamente porque não são acompanhadas pela criação de instituições que os sustente, ou seja, não são capazes de gerar uma forma política estável. Em sociedades mais democráticas surgiria, entorno de movimentos semelhantes, uma rede de organizações e instituições sólidas que lhes garantiriam a continuidade. Em sociedades em que o Estado não fosse tão paternalista quanto o nosso.
Na realidade, o brasileiro age de forma descompromissada devido principalmente a pouca consciência política. O fato é que não temos consciência nem mesmo de nossos direitos civis e assim nossa democracia está quase que condenada.
Por outro lado, em sociedades com democracia consolidada, o povo tem orgulho de viver em um país que garante a sua liberdade e seus direitos ao contrário do Brasil onde todos os dias os moradores de favelas têm inúmeros direitos civis desrespeitados como a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, a inviolabilidade do lar e até mesmo o direito à vida.

Um comentário:

  1. Olá Sérgio, boa noite!
    Eu entendo esse contexto que focalizaste com historicidade precisa, de um ângulo um pouco diferente. O que me parece é que o Homem nunca pretendeu viver com igualdade de condições para todos. Ele percebia a diferença existente entre os indivíduos na sociedade em que vivia – seja em que época fosse – e os que detinham algum tipo de vantagem (física, numérica ou bélica), serviam-se de tal vantagem para dominar e explorar os demais. O Homem por natureza é ambiguamente bom e egoísta. Esta luta interna dentro dele é que sempre o manteve em permanente conflito e quase sempre refém de seu comodismo e egoísmo. No meu entendimento o Contrato Social de Rousseau foi o grande engodo feito à sociedade humana, depois da bobagem rebelde feita pelos judeus à época de Samuel (ver 1 Samuel 8, 1-22).
    Eu igualmente gostei de tua análise sobre as razões que explicam a fragilidade democrática brasileira. Eu só iria um pouco mais fundo para abordar a hipocrisia e acirrada falta de compromisso da nossa apodrecida classe política com os objetivos preconizados por aquele documento de Rousseau. O objetivo dos políticos já de algum tempo é só com o locupletamento e favorecimento próprios. A coisa não mudou na era republicana e nem teria por que mudar, pois o embrião de todo esse mal não fora extirpado.
    E não são somente as elites políticas atuais que não querem que o processo de redemocratização no Brasil se complete. São as de hoje e sempre, que dominaram e influenciaram as decisões mais críticas na história da Nação, mas nunca mostraram sua cara. Penso que todos nós devíamos levar a sério as palavras de Jânio Quadros quando renunciou no início da década de 60. As tais forças ocultas continuam atuando e ocultas. Não posso, entretanto, deixar de reconhecer que o período do regime militar (muitos preferem chamar de ditadura, mas não usam do mesmo critério quando se referem ao governo petista ora instalado e sua manobra para implantação do socialismo bolivariano na AL), nós tivemos o maior desenvolvimento técnico e industrial que nunca havíamos experimentado antes. Os petistas insistem em bater na mesma tecla para se instalar de vez sobre o crédulo e ignorante povo brasileiro. A política atual não está condicionada por essa fragilidade democrática, como o amigo percebe, mas por uma manobra estrategicamente elaborada e articulada para instalar o comunismo de vez no país e alastrar pela AL como uma nova União das Repúblicas Socialistas, embora não soviéticas desta vez. Uma praga pior que câncer!
    Concordo contigo quando consideras o brasileiro, em média, descompromissado e sem consciência política. Na verdade o sistema quer que este quadro se mantenha, pois é mais fácil de continuar a subjugar o nosso povo através do “pão e circo”, e do “festival de bolsas”... Eu tenho fé e esperança, no entanto, que algum iluminado e corajoso da Receita Federal vai ferrar com o sistema deles a qualquer hora. Aguardem!
    João Alves

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