quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Por que o Brasil é um país atrasado?

Ao longo dos séculos, vem-se atribuindo o atraso do Brasil e as dificuldades dos brasileiros a falsas causas naturais e históricas até mesmo como imutáveis.
Fala-se dos inconvenientes do clima tropical, ignorando-se suas evidentes vantagens. Acusa-se a mestiçagem da população, desconhecendo que somos um povo feito da mescla de índios com negros e brancos, e que nos mestiços constituímos o cerne melhor de nosso povo.
Também se fala da religião católica como um defeito, sem olhos para ver a França e a Itália, magnificamente realizadas dentro dessa fé.
Há quem se refira à colonização lusitana com nostalgia por uma maravilhosa colonização holandesa, o que de fato é tolice de gente que, visivelmente, nunca foi ao Suriname, antiga Guiana Holandesa que em sua independência em 1975 substituiu seu nome para Suriname. Existe até quem queira atribuir nosso atraso a uma suposta juventude do povo brasileiro, que ainda estaria na menoridade.
Dizem que nosso território é pobre e muito grande, uma balela. Repetem incansáveis que nossa sociedade tradicional era muito atrasada, outra inverdade. Produzimos, no período colonial, muito mais riqueza de exportação que a América do Norte e edificamos cidades majestosas como o Rio de Janeiro, a Bahia, o Recife, Olinda e Ouro Preto, que eles jamais conheceram.
É, em realidade, um discurso ideologizado de nossas elites de plantão. Muita gente boa, porém, em sua inocência, interioriza e repete tudo isto, sem os devidos cuidados. De fato, o único fator causal inegável de nosso atraso é o caráter das classes dominantes brasileiras, que se escondem atrás desse discurso vazio e inconsequente. Não há como negar que a culpa do atraso nos cabe é a nós, os ricos, os brancos, os educados, que impusemos, desde sempre, ao Brasil, a hegemonia de uma elite retrógrada, que só atua em seu próprio beneficio.
O que temos sido, historicamente, é um proletariado (empregado que vende sua força de trabalho) externo do mercado internacional. O Brasil jamais existiu para si mesmo, no sentido de produzir o que atenda aos requisitos de sobrevivência e prosperidade de seu povo. Existimos é para servir a reinvindicações alheias.
O Brasil foi formado e feito para produzir pau-de-tinta para o luxo europeu. Depois, açúcar para adoçar as bocas dos brancos e ouro para enriquecê-los. Após a independência, nos estruturamos para produzir algodão e café. Hoje, produzimos soja e minério de exportação. Para isso é que existimos como nação e como governo.
É preciso resolver as necessidades nacionais de prover nutrição, saúde, moradia, educação e segurança a toda a população, assim como produzir divisas para atuarmos dentro do mercado mundial, comprando tecnologias de fora, mas, contudo produzindo e desenvolvendo as nossas próprias tecnologias.
Vivemos uma conjuntura trágica. O próprio destino nacional está em causa e é objeto de preocupação da cidadania mais lúcida e responsável. O aspecto mais grave e inquietante da crise que atravessamos é de natureza política. Frente a ela, as diretrizes econômicas, postas em prática por sucessivos governos, se caracterizam por uma incrível teimosia na manutenção de uma institucionalidade fundiária que condena o povo ao desemprego e muitos à miséria, pela mais crua insensibilidade social, por um servilismo vexatório diante de interesses alheios ao povo e pela mais irresponsável predisposição em subtrair as principais peças constitutivas do patrimônio nacional.
Porém, essas idiotices todas não levam em conta que o descobrimento dos Estados Unidos se deu em 1492 e o descobrimento do Brasil se deu em 1500; que a independência dos Estados Unidos aconteceu em 1786 e a nossa aconteceu em 1822; que a República americana se deu em 1786 e a do Brasil em 1889 e que os americanos possuem apenas uma constituição contra sete edições da nossa. Parece que nos falta mesmo é trabalho duro, honestidade, foco e vergonha para não buscar desculpas incabíveis.


Fonte: Darcy Ribeiro

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